domingo, 29 de novembro de 2009

Contágio

feliz ou não
a certeza está lá
na fala que diz
tudo pela razão.

se você fala branco
preto não posso ver.
se você fala longe
perto não pode ser.

mesmo cheia
de muita ironia
sua fala lá está
no que você quer dizer.

vejo no que diz
tudo que quero ver.
mas no que você diz
só vejo o que quer dizer.

o mais ou menos
é da conta minha
a intenção conta
e o resto desaninha.

me pergunto então
o que é certo.
se errada é a questão,
se o chão é teto.

respiro o mesmo ar
que você respira.
se é certa sua fala
no ar ela habita.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

faz tempo esse texto me inquieta.


qual a função da sala-de-estar?

abrigar temporariamente pessoas as quais você não abrigaria, nem temporariamente, em sua cozinha ou quarto.

o quarto por ser de foro íntimo. lá é seu e dos seus.
cozinha porque é lá onde se prepara, onde se reúne, sentado à mesa, no chão, ao pé da geladeira.

quarto e cozinha não são cantos pra pessoas indesejáveis. a sala-de-estar se apresenta como um intermédio, fácil de entrar, mais simples ainda de se expulsar. tudo com/sem cerimônia.

minha cozinha e quarto andam meio vazios, as paredes parecem mais largas e a distância entre os utensílios domésticos se agiganta. mas é por tempo, tempo só. já me peguei em desespero.

-fará um ano e minha cozinha e quarto continuam vazios.

por conta disso já me vi tentando preenchê-los com um estofo muito do fajuto. é que tenho pressa, urgência. longe de casa, dos amigos, o meu mundo parecia uma ambulância veloz à caça de enfermos.

hoje, no ponto do ônibus, ruminando certa fome, esperando a condução, percebi o quanto é perigoso fazer da minha vida uma sala-de-estar, permitir entrar gente que suja parede, derrama refrigerante no sofá, derruba o controle remoto no chão...ah, paciência.

paciência, quarto e cozinha ainda serão mui bem habitados por gente que diminui a distância entre os utensílios e faz as paredes pararem de alargar.

pessoas sala-de-estar
pessoas quarto-cozinha

diferença básica:

pessoas sala-de-estar te cansam, são medianas, medíocres e te cooptam...você quer ser mais?você quer ser alguma coisa a mais?não vá, fique aqui, a vida não é muito mais que isso, mas se for, relaxe, senta no sofá.

pessoas quarto-cozinha te cansam, porque nada para, há um movimento contínuo entre fazer/preparar e relaxar/descontrair. há mais vida ali, além,
há inclusive vida lá na sala-de-estar, vamos dar uma passadinha lá, olhar nos olhos, dividir o que há pra ser dividido, e voltemos pra nossa cozinha-quarto.

pessoas medianas te fazem esquecer que há um plano, te fazem perder o espírito da coisa, te devassam. repúdio.

pessoas medianas usam toda a artificialidade da sala como escudo, quando estao em seus quartos sentem-se esmagadas pelas paredes e na cozinha...só há pretextos pra se dirigir pra sala.

a sala não é o lugar de pessoas desejáveis. basta perceber o intenso fluxo ali reinante.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Estávamos num self-service
Uma mesa pra quatro
Mas éramos só dois.
Por mais que oferecesse
Meu coração numa bandeja
Nem como sobremesa
Sentira o imenso prazer
De sequer uma garfada.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

marco na agenda um novo dia.
começa aqui o que terminou ali.

domingo, 22 de novembro de 2009

o que você precisa é de um bom café, uma reza forte e um affair.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

sozinho em um quarto razoavelmente grande
um copo de cerveja ao lado, um violão do outro
livros empilhados e em cima deles um saco de salgadinhos.
beatles.
here
there
and everywhere.

explica como uma banda diz tanto, suscita tanto
e vai no justo, lá onde tão poucas vão.
lá é onde o coração habita
e por ordem e decreto o coração quer ser habitado.
(espécie de campo sempre fértil)

peguei esse mistério, misturei com maizena pra engrossar
pus um tempero pronto e deixei na panela
apurando
enquanto a última cerveja gela.
viva o calor do rio
santos os ventiladores
sagrados os aparelhos de ar-condicionado.

amanhã acordo, faço um café
olharei com desdém os bobos passando na rua
poucos, só eu, creio, lhe dirigem o olhar.
ponho fora o lixo, me assusto com a senhora sentada na escada
fumando e bebendo vinho, digo bom dia e ela só me olha
ela me olha com o mesmo desdém com que os bobos na rua eram olhados.

alguns dizem adeus, outros dizem oi
mas todos estão em campo aberto, cada um pro seu lado
fingem andar em linha reta
pouco tempo depois se esbarram.
todos os caminhos não levam à Roma
todos os caminhos levam ao outro.

sozinho em um quarto razoavelmente grande.
razoável é uma palavrinha safada
passa por boa sendo má, má, má.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

acho invejável quem fala por estereótipos
muito.
não acho superficial
nada.

alguns estereótipos
tem a leveza, a discrição
de uma brisa.
te fazem sentir o mundo
sem aquele peso do furacão.

mas é preciso cuidado
ouvido atento e muita afinação
pra brisa não virar neve
uma avalanche de incompreensão.

nessa hora
pode ser que o gato
vire lebre
e a neve
furacão.

domingo, 15 de novembro de 2009

coisas assim me impressionam.

o leite turvando lentamente o café
o fogo aquecendo a água
o extrato virando suco.

coisas assim me impressionam.

por serem caseiras
e estarem sempre à mão
quando delas precisamos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

-claro, a sua alegria é legítima, mas é que o debaixo é meu.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

quantas vezes mais quantas

saio sem carteira
tropeço na beira
me enrolo com as compras


tantas vezes mais tantas

o amor pede abrigo
o abrigo cede calor
e imagem alguma se compara.
algumas coisas merecem nosso cortejo, nossa circunspecção
outras não.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

...é no susto.
alguns gostos perduram.
não na boca
mas na memória.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

traga suas águas,
mas sem pressa
sem represa.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

o diabo mora nos detalhes.
pisca para seu alfere de modo mui sanchesco,
ajoelhado quixotescamente aos pés dela
armadura despedaçada, gesto solene
uma nervura percorre sua espinha,
cheio de amor, quiçá amor verdadeiro
queixo altaneiro, mas de medo tomado
solta tal queixume:

"Te dou amor enquanto eu te amar, prometo te deixar quando acabar"*

Som de tapa estridente, isso para vós que o observam
Ele sentiu mesmo foi um quentume em cheio no rosto.
dulcineamente despontada, a dama levanta discreta a saia
E sai deixando-o inerte, difuso doído e doido.

"Mas que houve, dize-o tu, creio ter dito algo como 'que seja eterno enquanto dure'". Dito que expressa tanto amor!

"Bem, não foi bem isso que proferiste, grão-senhor. Mas creia, foi algo tão, mas tão próximo disso, quase a mesma coisa"

"E o tapa?"

"Veio de bônus, mestre"

"Que bônus, não?"


REFERÊNCIA:

*Arnaldo Antunes.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

feriado é um dia fadado ao relaxo.

pé pra fora da rede
vinho e provolone
capricho de som no estéreo

pernas e braços esticados
na mesa de um bar vagabundo
salaminho e risadas.

feriado é um dia fadado ao relaxo.
Que fracasso que nada...