domingo, 18 de setembro de 2011

ela merece.

chama-se 'melena'.
é o primeiro livro de poesias da poeta/poetisa Gonçalina Timbó.
tia Gon para os íntimos.

ano passado recebi das mãos da autora um exemplar de sua obra.
'melena' tem revisão do padre Osvaldo Chaves, resenha de Francisca Ferreira (professora e coordenadora do grupo teatral Arte no Ato), além de uma minibiografia feita pelo músico, maestro e regente, Jorge Antônio Martins Nobre.

o exemplar chegou às minhas mãos no ano passado, estava empilhado entre tantos livros que fazem parte do meu regime militar de leitura.
arrumando a mesa foi que reparei, ele estava empilhado junto com outros livros de grosso calibre, verdadeiros calhamaço de 300 e tantas páginas.

me pus a ler 'melena' às 3 ou 4 da manhã.

poesia é um troço muito bacana mesmo. a maioria dos poemas que vemos nos livros não enchem sequer uma página, não finalizam sequer uma linha, mas ali falam, dialogam com um mundo de coisas.

poesia é sempre a cristalização de uma experiência vivida, mesmo que ela tenha sido apenas imaginada, mas quando a sentimos é como se fosse real.
ouví isso de um escritor chamado Affonso Romano Sant´ana. é uma colocação simples mas de uma objetividade desconcertante.

quando li 'melena' fiquei com essas duas impressões na cabeça.
porque a poesia de 'melena' é bacana. é boa de ler. flui com a facilidade que um poema precisa para ser bacana.
ao mesmo tempo sentimos ali aquela sensação de gravidade nos versos, gravidade proveniente de experiências vividas, imaginadas, compartilhadas, reais, por assim dizer.

'melena' é isso. bacana e grave.

os poemas possuem, em sua maioria, aquela brevidade econômica que faz o leitor se concentrar no essencial que está sendo focado ali. ao mesmo tempo que possuem aquela concisão de facão cortando a cana.

na década de 70 e 80, leminski foi talvez o mais feliz dos poetas a fazer uso farto dessa concisão criando obras belíssimas, porém, ainda desconhecidas de um grande público.
desconheco se a autora de 'melena' tem proximidade de leitura com leminski, mas ambos partilham dessa necessidade de serem breves e graves, como em 'ensaio geral' de sua autoria:

ensaio geral

o vento me diz sonetos de amor
o sol me paquera sem condições
e faz um sensaio geral
com seus melhores raios
queimando-me
e eu me rendo sem medo.

em alguns momentos a autora decide pelo formato do soneto para guiar seus poemas. cá entre nós, não se faz necessário.
não tenho nada contra o soneto, as métricas clássicas, mas no caso da poeta/poetisa, tais artifícios não trazem viço a sua escrita, antes, a engessam.
e para provar que a poeta/poetisa faz melhor uso dos artifícios mais aproximados do arsenal moderno/modernista cito esse poema saboroso:

sem memória

da mocidade
quero o instante
mas nunca levo a lembrança.

são esses pequenos flashes, esses intervalos de poemas breves e precisos (como o facão na cana) que iluminam 'melena'.
quem disse que poesia tem que ser grande, ter palavra difícil, ter métrica ou só falar do amor romântico?
Gonçalina, em boa parte do livro, prova por a mais b que poesia é, parafraseando leminski, mais que um efeito de texto, é um efeito mental.
a beleza do texto se faz na mente do leitor, quando ele se sente conduzido, nem importa bem pra onde, mas que esteja sendo conduzido, como numa dança.
quem fica preocupado pra onde vai quando se está dançando?
dance:

um minuto

e aí
toda a minha calma
caiu numa inquietude.

o trabalho com a palavra é também um forte vínculo da autora com aquele artesanato textual do qual fala mário de andrade e, na década de 70, leminski também falaria, mas em outra proporção.

bastante influenciado pelos concretistas, leminski buscava não apenas jogar com as palavras, mas jogar no interior da própria palavra.
quem escreve, sabe. não existe gosto maior que descobrir uma brincadeira dentro da palavra. é como se a gente tivesse transformado àgua em vinho  ou vice-versa.
bom mesmo é quando a brincadeira traz à tona algo inesperado que desperte o leitor. como em 'atrapalhando', título que funciona como alerta:

que dia é hoje?
hoje é seu aniverdata.
ou será que é datarsário?
seja como for
feliz dataversário.

poema a gente não explica, a gente conversa e se descobre nele.

li com gosto 'melena', apesar de que o fio da leitura se perde em alguns momentos por conta das didifuldades com a diagramação que traz algumas páginas repetidas, mas nada que prejudique a capacidade poética ali presente.

penso que a autora deve estar se perguntando por qual motivo afinal li seu livro e o comentei apenas agora, já com um bom tempo transcorrido.
respondo.

dia 23 de setembro será o lançamento do primeiro livro de poesia desse que vos fala, eduardo timbó. chama-se 'deixe pra mais tarde'.
sempre pensei: por quê escrever mais um livro de poesia? mais um que irá se juntar a tantos outros?

e, relendo as provas que me foram mandadas pela editora, observei atentamente o alerta que eu mesmo escrevera no prefácio e já não me dera conta:

'que esse livro não faça peso em sua mochila, não se avolume em sua estante da sala ou na mesa do quarto, e também não gaste as suas horas. que a tarefa de ler esse livro jamais pese em suas mãos ou consciência além do necessário. caso pese, deixe pra mais tarde'

peço desculpas à autora por ter levado tanto tempo para ler esse seu belo livro que, alias, merece uma edição mais à altura de sua capacidade poética.
feliz ou infelizmente fui pego pelas minhas próprias palavras, vejam só!

deixei seu livro fazer peso em minha mochila, se avolumar em minha estante e na minha mesa do quarto. e deixei pesar em minha consciência o fato de ainda não o ter lido.
digo, feliz ou infelizmente, pois penso que se eu o tivesse lido naquele momento, talvez não me sentisse tão tocado por ele quanto agora me sinto.

deixei pra mais tarde, cara autora.
mas o povo diz, e eu fecho com ele:

antes tarde do que nunca.

eduardo timbó.

Um comentário:

Deise Anne disse...

então essa poesia sua tem pedegree, ascendência e procedência não é Dudu?